![]() |
| J. A. Santos Simões |
Em meados do século XX, o escritor e político republicano Manuel Monteiro descreveu o Minho como uma espécie de deserto cultural, que tinha um oásis no “sector vimaranense”, recomendando aos seus conterrâneos bracarenses que secundassem e ampliassem o exemplo de Guimarães. Mas convém nunca esquecer que, se a cultura é uma marca distintiva de Guimarães, não brota das pedras, nem mana das fontes ou germina da terra — é uma construção de homens e de mulheres. No calendário das efemérides do ano que agora começa, sobressaem os nomes de dois homens de cultura vimaranenses que não nasceram em Guimarães: João Evangelista de Morais Sarmento e Joaquim António Santos Simões.
João Evangelista nasceu no Porto no dia 26 de dezembro
de 1773. Órfão de pai desde os 14 anos, estudou Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra, concluindo o curso em 1801. Serviu como médico durante
alguns anos na sua terra natal, acabando por se fixar em Guimarães. Foi o
primeiro titular do partido de médico nas Caldas de Vizela, criado em 1816, com
a obrigação de ali residir durante a época balnear e de prestar assistência
gratuita aos pobres. Também foi médico da Misericórdia de Guimarães.
A sua inclinação para a poesia manifestou-se muito
cedo. Apaixonado pela oratória e conhecido pelos seus talentos de poeta
repentista, tinha uma sólida formação clássica, que começou a adquirir nas Aulas dos Congregados,
no Porto, onde estudou retórica. Em Guimarães marcava presença assídua em saraus
e cerimónias públicas, onde declamava as suas composições poéticas.
O seu
nome é indissociável da história das festas dos estudantes a S. Nicolau, por
ser o autor dos bandos escolásticos (pregões) que se recitaram nos dias 5 de
dezembro de 1817, 1818, 1819 e 1822, os mais antigos que se conhecem e, muito
provavelmente, os primeiros. Nessas composições, João Evangelista fixou um
modelo que seria replicado até ao final do século XIX, com a evocação
recorrente de personagens da mitologia clássica (Lísia, Minerva, Marte), com a
dedicatória às raparigas, às “belas — o condigno ornamento das janelas”, com as
advertências ao rendeiro do dízimo de Urgezes, ou com as admoestações aos ginjas, ao sórdido taful e ao audaz
caixeiro, personagens que incorriam em duras penas, se ousassem intrometer-se
nos festejos dos estudantes.
De
saúde frágil, João Evangelista de Morais Sarmento
faleceu aos 52 anos, a 20 de outubro de 1826, na sua casa na rua da Tulha e foi
sepultado na capela dos terceiros de S. Francisco de GHuimarães. Em 2023
assinalam-se os 250 anos do seu nascimento. Faz parte da história nicolina.
Se há um nome incontornável quando se fala sobre
cultura em Guimarães é o de Santos Simões. Nascido no Espinhal, concelho de
Penela, no distrito de Coimbra, estudou na Universidade de Coimbra, onde
concluiu as licenciaturas de Ciências Matemáticas e de Engenharia Geográfica. Envolveu-se,
desde muito jovem, na atividade associativa e cultural e na luta política
contra a ditadura. Pertenceu à direção da Associação Académica de Coimbra, de
que foi presidente, ao Movimento de Unidade Democrática Juvenil, ao Teatro dos
Estudantes da Universidade de Coimbra, onde foi ator, encenador, diretor e
presidente. Em outubro de 1957, fixou-se em Guimarães, ocupando um lugar de
professor de Matemática na Escola Industrial e Comercial, hoje Escola
Secundária Francisco de Holanda. Trazia consigo a inquietude e a insubmissão de
quem não prescindia do direito de pensar livremente, mesmo naqueles dias de
chumbo em que até o pensamento era rigorosamente vigiado. Essa insubmissão
haveria de lhe valer a prisão e o desemprego.
A chegada de Santos Simões a Guimarães deu um poderoso impulso ao
movimento associativo cultural da cidade. Em 1958, propôs a reestruturação do
grupo musical “Ritmo Louco”, de que surgiriam o Círculo de Arte e Recreio e o
Teatro de Ensaio Raul Brandão e dinamizou a criação do Cineclube de Guimarães.
Ao mesmo tempo, apoiou a campanha à presidência da República do General
Humberto Delgado. Nos anos seguintes, organizou os Festivais de Gil Vicente,
presidiu à Sociedade Musical Vimaranense, coordenou o suplemento “Artes e
Letras” do Notícias de Guimarães, teve voz ativa nas atividades da oposição
democrática do distrito de Braga. E nunca mais parou, até ao último dos seus
dias.
Santos Simões foi a alma mater de uma profunda regeneração
cultural em Guimarães que, na história da cidade, só tem par no movimento
transformador da década de 1880, na sequência da criação da Sociedade Martins
Sarmento, de que era presidente quando faleceu.
No dia 12 de agosto de 2023 cumpre-se o centenário do seu
nascimento e em 23 de junho de 2024 encerram-se os primeiros vinte anos sobre o
dia da sua morte.
É tempo de lembrar Santos Simões e a sua obra.

0 Comentários