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| 1884, o ano que mudou Guimarães. (Gerada por IA) |
No início do último quartel do séc. XIX, Guimarães parecia uma fidalga velha, caduca e falida. Cidade triste e abatida, vivia à sombra do seu antigo esplendor, cada vez mais longínquo. Habituada a ser a cabeça de uma comarca extensa, fértil e populosa, com a reforma administrativa de 1834 passou a ser apenas um entre os 13 concelhos que integraram o distrito de Braga, condenando-se a um papel secundário que nunca tinha sido o seu. A menorização de Guimarães em relação à capital do distrito não teve apenas efeitos na autoestima dos vimaranenses. Repercutiu-se, nomeadamente, no investimento público e no destino das contribuições cobradas no concelho — Guimarães era o maior contribuinte da região e agora via que os impostos que pagava eram colocados ao serviço do desenvolvimento de Braga, cidade de onde nunca lhe soprou bom vento.
No início da década de 1880, um grupo de vimaranenses, quase todos
ricos, cultos e com profunda consciência social, cansados do fatalismo do
atraso, da lamúria e da vida de mão estendida a Lisboa, deram corpo a um
vigoroso movimento transformador com o objetivo expresso de quebrar o ciclo da
estagnação e conduzir Guimarães à modernidade.
Algo de novo se movia no provecto Berço da Nacionalidade.
O primeiro ato deste movimento de cidadania foi a fundação, em 1881,
da Sociedade Martins Sarmento, “promotora da instrução popular”, em homenagem
ao erudito que dera a conhecer ao mundo a Citânia de Briteiros. A SMS seria a
força impulsionadora de um singular e poderoso movimento de transformação da vida
social, cultural e económica da cidade, nascido da conjugação de vontades dos
cidadãos de Guimarães. Mas não foi um movimento espontâneo: foi o fruto do
estudo e da imaginação com que se delineou um projeto inovador de elevação de
uma comunidade pela cultura, pelo ensino e pelo progresso económico. Um projeto
que está vertido nos textos programáticos dos intelectuais comprometidos da
Sociedade Martins Sarmento, com destaque para Avelino da Silva Guimarães, hoje
quase esquecido.
1884 seria o ano da mudança.
A pretexto da inauguração da ligação ao Porto por
caminho-de-ferro, a SMS concebeu e promoveu a memorável Exposição Industrial,
que serviu para demonstrar a necessidade de apostar na modernização do tecido
económico e a urgência de se cumprir uma promessa inscrita na lei desde 1864,
mas nunca concretizada — a criação de uma Escola Industrial. Organizada por uma
vasta equipa liderada por Alberto Sampaio, a Exposição Industrial foi um enorme
sucesso, com forte repercussão na imprensa nacional.
Em 1884, foi criada a Revista de Guimarães, a mais antiga revista
científica portuguesa ainda hoje em publicação.
Em 1884, também nasceu O Comércio de Guimarães, jornal “liberal,
comercial, industrial e agrícola”, que ainda hoje persiste.
Em 1884, a SMS lançou as bases do seu Museu Arqueológico, os
vimaranenses tinham em curso a subscrição pública para financiar a estátua de
Afonso Henriques e a igreja do Toural foi dada como concluída.
Em 1884, João Franco, um desconhecido do Fundão, imposto pelo
Partido Regenerador, que nunca pusera os pés em terra vimaranense, foi eleito
deputado por Guimarães. Inicialmente rejeitado, por ser estranho a Guimarães, depois
desejado, seria sucessivamente eleito, ao longo de duas décadas.
Finalmente, o ano de ouro de 1884 viu cumprir-se o desígnio de uma
geração: nasceu a Escola Industrial Francisco de Holanda.
1884 é o primeiro capítulo do grande livro da cidadania
vimaranense. Uma obra construída com o espírito comunitário, o trabalho e o
esforço económico das gentes de Guimarães. Umas vezes com a Câmara, outras
apesar da Câmara, todos contribuíam para as causas de todos.
Um ano como aquele não se repete facilmente. Muito menos nestes
tempos estranhos, em que quase tudo se municipaliza e a cidadania se esvai.
Hoje sujeita a andar de mão estendida à disponibilidade e à boa vontade do
protagonista que encarnou o papel de Grande Mecenas, o Município, a participação
cidadã esmorece, “profissionaliza-se” e perde independência, inconformismo,
autenticidade e capacidade de iniciativa.
140 anos depois, é tempo de revisitarmos o espírito dos homens de
1884.

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