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| Caciques, velhos e novos. (Gerada por IA) |
Em
1492, Cristóvão Colombo escreveu no seu diário a palavra cacique, a forma que
encontrou para reproduzir o vocábulo kassiquan (“guardar casa”), que
escutara a nativos da ilha de S. Domingos. Esta palavra passaria do castelhano
para o português, com o significado literal de “chefe dos indígenas”. Mais
tarde passaria a designar, em sentido figurado, uma pessoa com influência
eleitoral. Na Espanha do séc. XIX, a preponderância excessiva de figuras
notáveis que manipulavam os eleitores e adulteravam os resultados das eleições,
deu origem a um novo conceito político, o caciquismo, que também seria
replicado em Portugal. Em boa verdade, o que Portugal replicou foram aquelas
palavras, já que o clientelismo e a viciação das eleições por membros das
oligarquias locais eram práticas instaladas na generalidade dos países com
sistemas parlamentares.
O
primeiro político português a questionar, na Câmara dos Deputados, o poder dos
caciques locais, foi o etnógrafo Consiglieri Pedroso, em 1886, no debate de um
projeto de lei sobre cobranças fiscais, onde ironizou sobre as chapeladas
eleitorais, afirmando que, nas províncias, não seria “necessário ir buscar,
como em Lisboa, mortos aos cemitérios”, porque:
“Lá o sistema é mais franco,
vergam-se os indivíduos, trazem-se acorrentados ao poder desses caciques que
aqui têm sido, mais de uma vez, descritos dos bancos da oposição por quem os
conhecia de perto.”
Entre
nós, os caciques eram notáveis locais que usavam a sua influência social e
económica para fins políticos. As mais das vezes, eram ricos proprietários com
um número significativo de assalariados ao seu serviço. Nas últimas décadas do
séc. XIX, o mais influente destes políticos foi Francisco Ribeiro Martins da
Costa, da casa de Agra, que militou no Partido Regenerador e foi o grande
responsável pela primeira eleição de João Franco, em 1884, candidato a deputado
imposto a Guimarães, onde ninguém o conhecia.
No
virar do século, o caciquismo era visto como um dos sinais da degenerescência
nacional que prenunciava a inevitabilidade do fim do regime. Na noite de 11 de
dezembro 1910, logo após a vitória dos republicanos, o escritor e advogado
Eduardo de Almeida proferiu, na Associação Artística, uma conferência sobre os
deveres dos republicanos, onde caraterizou o caciquismo do tempo da monarquia:
“O parasitarismo caciqueiro
havia-se enredado em toda a nossa vida política e administrativa desde as
juntas de paróquia aos ministérios. Quantos sem vintém negociavam com os
rendimentos das irmandades, a subsistência das viúvas, o amparo dos órfãos. Há
muito que a dignidade descera abaixo de zero. A nossa decadência moral era
tanta que, com a mais ligeira facilidade inconsciente, chegara-se a cometer o
mais infame dos crimes — desviar o dinheiro da beneficência —, o dinheiro dos
pobres. O mais infame dos crimes, porque era roubar a pobreza. A grande força
dos caciques, há exceções, era essa, a de poderem converter o dinheiro alheio
em propriedade individual. Como queriam roubar as urnas, principiaram roubando
nos cofres.”
Nos
tempos que correm, o caciquismo persiste e viceja. Ganhou novas formas que o
revigoraram, mas não deixa de ser um sinal de subdesenvolvimento cultural e
político. Continua a utilizar a influência social e económica para aumentar o
poder de quem o tem ou para o entgregar a quem a ele aspira. Tal como no
estertor da monarquia, floresce da falta de transparência que enfraquece a
confiança nas instituições, alimenta suspeitas de corrupção e ameaça a
decomposição do sistema político. Nada de novo, a não ser a nova natureza da
figura dos que se sustentam do clientelismo. Os novos caciques já não são figuras
que se destacam pela sua respeitabilidade, pela sua posição social ou pelo seu
poder económico, nem pessoas que se distinguem por colocarem a sua influência
ao serviço da comunidade e de um projeto político.
Os
caciques do passado eram homens que se devotavam a uma causa, sem esperarem
obter qualquer vantagem pessoal a não ser, talvez, o contentamento de verem
crescer o seu poder de influência, como foi o caso de Francisco Agra que, sendo
o mais destacado dos políticos vimaranenses do seu tempo, sempre foi avesso a
exercer cargos públicos. Os caciques de hoje tendem a ser jovens, ambiciosos e
sem grandes qualidades. Na vida, ainda nada fizeram de relevante, mas já
completaram a escola da arte rasteira da intriga política. Não têm ideologia,
nem lutam por qualquer causa, a não ser a das suas aspirações egoístas.
Inscrevem-se na juventude do partido que lhes parece mais adequado para servir os
seus projetos. Quando percebem como a máquina funciona, arquitetam a forma de a
assaltar: recrutam amigos e conhecidos, fazem-lhes promessas, criam o seu corpo
de indefetíveis. Ao sentirem que os tempos lhes são propícios, candidatam-se.
Se ganham, reclamam os lugares a que se sentem com direito. Depois de instalados
no poder, continuam a cuidar do alargamento das suas clientelas e fazem as
alianças com os que os podem auxiliar nos seus desígnios, mesmo que seja o
inimigo, mesmo que seja o Diabo. Assim nascem as novíssimas coligações tutti-frutti.
Nos
tempos que correm, as autarquias movimentam orçamentos impressionantes. São,
quase sempre, o maior empregador da região. A descentralização de competências
faz crescer o seu poder económico e social, tornando-as mais apetecíveis aos
que prosperam no clientelismo. Nelas não pode haver espaço para os caciques
modernos.

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